A sensibilidade do poeta Guilherme de Almeida em descrever o cinema
Cinema
Na grande sala escura, só teus olhos existem para os meus: olhos cor de romance e de aventura, longos como um adeus.
Só teus olhos: nenhuma atitude, nenhum traço, nenhum gesto persiste sob o vácuo de uma grande sombra comum.
E os teus olhos de opala, exagerados na penumbra, são para os meus olhos soltos pela sala, uma dupla obsessão.
Um cordão de silhuetas escapa desses olhos que, afinal, são dois carvões pondo figuras pretas sobre um muro de cal.
E uma gente esquisita, em torno deles, como de dois sóis, é um sistema de estrelas que gravita: — são bandidos e heróis;
são lágrimas e risos; são mulheres, com lábios de bombons; bobos gordos, alegres como guizos; homens maus e homens bons...
É a vida, a grande vida que um deus artificial gera e conduz num mundo branco e preto, e que trepida nos seus dedos de luz...
Publicado no livro Encantamento (1925). |